Jovens buscam a fé para resolver angústias pessoais

Especialista diz que os templos têm se tornado ambiente de socialização

por Josemir de Sousa


A religião transformou a vida de Thiago Cruz, 23 anos. Ele viveu por muito tempo um conflito pessoal, aos 18 anos se descobriu bissexual, fato esse que o transtornava, pois ele não admitia ser diferente dos demais rapazes de sua idade. Seu principal conflito era não aceitar o mundo que lhe foi imposto, quando se descobriu distinto dos demais. “Eu queria construir algo natural, como Deus fez o homem para a mulher, mudei para que pudesse construir uma base familiar diante da lei divina, eu não queria ser gay”, afirma ele.

Filho mais novo de uma família de três irmãos, atualmente ele passou a freqüentar a Primeira Igreja Batista do Brasil, templo evangélico que fica no bairro do Caminho das Árvores, em Salvador. Esta igreja é uma congregação cristã que caracteriza o batismo pela fé, dispensando o ritual infantil, como ocorre no catolicismo. Durante o culto, os pastores interpretam os livros da Bíblia para os fiéis em forma de pregação. Nos intervalos do culto, são vistas apresentações artísticas, em que muitas delas são realizadas pelos jovens da igreja que elaboram coreografias para acompanhar os cânticos de louvor, entoados também por esses fiéis, esse tipo de intervenção durante o culto é, talvez, o que atraia muitos deles à celebração todas as semanas.

O que levou o jovem Thiago a freqüentar o grupo foi inicialmente a necessidade de entender o que estava acontecendo com ele, uma vez que não queria aceitar sua condição homossexual. É o que o historiador Grimnaldo Zachariadhes chama de cultivo de uma fé individualista. “Hoje, a busca da religião tem um sentido mais preso no próprio indivíduo, pode ser para se curar de alguma enfermidade, para ‘subir na vida’ ou para largar algum vício.”, comenta.

Segundo Thiago foi necessário que acontecesse muita coisa para que ele se tornasse um cristão de verdade. A congregação de Cruz foi cheia de altos e baixos, ele sempre gostou do ambiente da igreja, contudo a vida mundana – expressão usada pelos evangélicos para denominar tudo aquilo que não está de acordo com a religião – chamava mais atenção. No entanto, a curiosidade o impulsionou e ele partiu em busca do novo, desde então passou a se relacionar também com pessoas do mesmo sexo.

Durante muito tempo a realidade de compartilhar sua intimidade sexual com outros homens foi uma constante na vida do jovem, mas ele buscava nos seus relacionamentos homossexuais algo a mais, alguma coisa que fosse além da atração física. “Nesse tipo de relacionamentos a felicidade era muito comentânea, o prazer era apenas na carne não trazia alegria ao espírito”, comenta.
A maior dificuldade passada por ele foi quando, aos 19 anos, perdeu sua mãe, vítima de câncer.
Esse episódio o fez repensar muitos aspectos de sua vida, a partir de então, passou a se questionar, principalmente no que dizia respeito a sua sexualidade.

Foi a partir desse pensamento, que voltou à igreja em busca de respostas, algo que o ajudasse a cessar a angústia que ele vivia e o tornar-se parte de algo, de encontrar seu espaço no mundo de conhecer pessoas que o compreendessem. A partir disso, passou a freqüentar os cultos da igreja Batista e às reuniões do grupo de jovens. “Aos poucos fui me encontrando dentro da igreja”, ele ressalta. Sua entrega à religião foi total, e não foi fácil para ele deixar de lado todos os “prazeres” da vida sem um direcionamento religioso, principalmente, no que se refere à sexualidade. A igreja lhe impôs uma série de regras e, como membro, ele deveria seguir. “Hoje, eu ainda sinto saudade de algumas coisas da minha vida anterior, dos meus amigos do ‘mundo’. Não sinto falta da vida homossexual, mas sinto falta de brincar, de sair com essas pessoas para passear, mas evito me aproximar para não sentir saudades e cair de novo em pecado”.


O mundo ou a religião?

A decisão de se afastar de tudo que o lembrasse do antigo estilo de vida o fez afastar-se dos relacionamentos pessoais e até dos parentes mais próximos. Thiago tenta fazer com que seu antigo ciclo de amizades e até sua família entendam as mudanças que ocorreram em sua vida. Em casa, seus irmãos ainda custam a acreditar na transformação que sofreu o caçula. A irmã do jovem, Carla Cruz, 25 anos, diz que: ainda é muito cedo para que se possa acreditar na mudança do Thiago”.

Carla se mostra resistente a acreditar em tal mudança, para ela, a transformação que aconteceu na vida do irmão foi muito grande para o pouco tempo que ele frequenta a igreja.“Ele levava uma vida muito boemia, saia muito, chegava no dia seguinte e agora vive querendo converter todo mundo”, declara a jovem que há sete anos segue os ensinamentos de igreja messiânica, uma instituição religiosa que tem por finalidade a construção de um mundo ideal na terra. “Mesmo tendo a minha fé, eu não fico entando forçar ele a seguir o que eu acredito”, declara.

Carla se mostra incomodada com a conversão do irmão para a igreja Batista. Para ela essa mudança fez com que o rapaz se distanciasse de todos. “Ele fica o tempo todo com os amigos que fez na igreja, nós dois éramos mais próximos, conversávamos, mas agora vive somente nos cultos e, quando não está lá, traz o pessoal aqui para casa, esse pessoal não tem hora pra sair, não sabe quando incomoda”, completa ela.

Mas o convívio com os novos amigos parece ter mesmo se tornado uma constante para Thiago, nas horas vagas está sempre em companhia dos amigos da congregação. “Hoje eu tenho comigo pessoas que posso chamar de irmãos e eu gosto de estar com elas” comenta. Porém quando questionado sobre seu afastamento do convívio familiar, responde: “não me afastei de minha família, só não tenho tanto assunto com eles como tinha antes, meus irmãos, por exemplo, eu antes só falava de festa e de bebida, mas agora eu não faço mais isso e eles não entendem por isso a gente não conversa tanto” De acordo com a socióloga e pesquisadora Solange Rodrigues, a busca por uma identidade religiosa, como no caso de Thiago, reflete uma tendência.

Muitos jovens brasileiros estão buscando a religião a fim de terem uma participação em um grupo e é nesses meios que muitos deles encontram suporte emocional para entenderem conflitos e questionamentos pessoais. O caso do jovem baiano, ainda permite ir além, a pesquisadora cita que no afã de fazer parte de um universo de pessoas que apresentam o mesmo comportamento, pensamentos e atitudes, muitos acabam por fechar-se naquele grupo, ocupando todo seu tempo livre a se dedicar quase que exclusivamente às práticas religiosas, deste modo passam cada vez menos tempo com outras pessoas, reduzindo a oportunidade de ter outros convívios sociais como, por exemplo, a família.

O jovem Thiago tem um dia a dia bastante agitado vai à faculdade, onde estuda educação física e faz 3 estágios durante a semana, porém, mesmo com uma vida tão frenética, não deixa de cumprir com suas obrigações religiosas, está presente ao encontro de jovens da igreja, que ocorrem duas vezes por a semana, e no domingo, ele não deixa de frequentar o culto.Essa rotina é cumprida desde que ele passou a freqüentar a religião, há cerca de oito meses. “Me sinto satisfeito com a vida que levo hoje e não voltaria atrás por nada.

Na própria igreja tive vários motivos que poderiam me fazer deixar a fé, mas os amigos que fiz aqui, sei que são de verdade.” Para a pesquisadora Solange Rodrigues, as igrejas, templos e salões são para os jovens não apenas lugares para a busca pelo sagrado, estes espaços passaram também a ser um ambiente de socialização. “Sempre fui à igreja para buscar a santidade, para buscar mais de Deus na minha vida, para me fortalecer. Mas quando estiver firme na fé sei que é lá encontrarei a pessoa certa para mim.”, conclui Thiago

Matéria publicada na REVISTA ACTO - Publicação experimental para o Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo FIB em Nov. de 2009

Foto: Josemir de Sousa

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